Padre Lucas Altmayer, 01/03/2025 21:17
Queridos amigos,
Hoje, ao nos aproximarmos das portas da grande quaresma, convido-vos a refletir sobre um clamor que ressoa através dos tempos, o clamor do cego de Jericó: "Senhor, que eu veja!" Este é o grito da nossa alma, um grito que brota da profunda necessidade de enxergar, não o mundo exterior, mas a realidade de nosso interior. Este grito é o grande grito do tempo quaresmal: "Senhor, que eu veja!" . Mas o que devemos pedir para ver neste tempo sacrossanto? Devemos pedir a graça de ver os nossos pecados! Pois a Quaresma, este tempo sagrado e oportuno de conversão, é o grande momento de tomarmos consciência da cegueira que assola nosso espírito e de enxergarmos as feridas, os pecados, que nos afastam de Deus.
Quantos de nós, durante o ano, passamos pela vida como cegos espirituais, sem ver nossas faltas, sem reconhecer nossos desvios do caminho que o Senhor nos traçou?
Na agitação da vida cotidiana, nos envolvemos com tantas coisas e nos distanciamos de nossa verdadeira essência. O pecado nos coloca uma venda nos olhos, e nos tornamos insensíveis à luz divina. Não conseguimos ver a nossa miséria, nem enxergar o mal que habita em nosso coração. Mas a Quaresma, meus caros, é o grande tempo de enxergar, de olhar com clareza, de ver, de uma vez por todas, os nossos pecados.
Em meio à penumbra das nossas faltas, em que os nossos olhos espirituais tantas vezes se tornam turvos e opacos, o Senhor se faz luz para os que têm sede de redenção. Não importa quão longas e escuras sejam as estradas do pecado que percorremos, nem o tamanho das nossas transgressões, pois, se de verdade clamarmos, como o cego, de todo o nosso ser, o Senhor, com Sua mão compassiva, abrirá os nossos olhos. O que, até então, parecia irreparável e inalcançável, se transfigura na promessa de uma visão nova, limpa e pura.
É minha missão de padre, meus amigos, mostrar-lhes os pecados que lhes vendam os olhos e lhes impedem de ver a Deus. É meu dever de estado, nesta quaresma que se inicia, fazer convosco um exame de consciência, a fim de que Deus lhes toque os olhos da alma e permita que vejam os vossos pecados, e deles se arrependam e façam penitência.
Portanto, nestes domingos da quaresma, vamos juntos fazer um exame de consciência, passando todos os dez mandamentos da lei de Deus, para que o Senhor realize em nós, a cura de nossos pecados.
I MANDAMENTO DA LEI DE DEUS: AMAR A DEUS SOBRE TODAS AS COISAS
Ao primeiro mandamento pertencem os atos da virtude da religião. Vejamos os principais deveres positivos e os principais pecados contra este mandamento.
Devoção
Prontidão da vontade para entregar-se às coisas que pertencem ao serviço de Deus. Devotos são aqueles que se entregam ou se consagram por inteiro ao serviço de Deus.
Oração
É a elevação da mente até Deus para louvá-lo e pedir coisas convenientes à eterna salvação. Pode ser objeto de oração tudo o que seja necessário ou conveniente para a nossa salvação. Podemos pedir absolutamente a graça e os dons do Espírito Santo, e podemos pedir condicionalmente os bens temporais e os bens sobrenaturais (dons místicos, carismas etc.). A oração será sempre infalível se ela for algo: pedido para si mesmo, em vista da nossa salvação, pedido de maneira piedosa, e se for pedido de maneira perseverante.
Adoração
Ato externo da virtude da religião pela qual testemunhamos a honra e a reverência infinitas de Deus e nossa submissão a Ele. Podem ser atos de adoração: sacrifício, genuflexão, inclinação, prostração, elevação das mãos, descobrir a cabeça etc.
Sacrifício
Oblação externa de uma coisa sensível, com destruição da coisa sensível, realizada pelo sacerdote, em honra de Deus, para testemunhar Seu domínio supremo e nossa completa submissão a Ele.
O sacrifício pode ser cruento, que é a efusão de sangue, ou incruento, quando não há efusão de sangue. O sacrifício possuí quatro finalidades: latria, ou seja, adoração a Deus; impetratória, ou seja, pedido de benefícios; satisfatória, ou seja, a reparação dos pecados; eucarístico, ou seja, em ação de graças pelos benefícios.
Pecados opostos ao I mandamento da Lei de Deus
I Superstição e seus filhos
Do latim super statuens, superstição significa, etimologicamente, o excesso na medida de algo. Não se trata aqui do excesso quantitativo do culto de Deus, mas o excesso por parte do objeto ou do modo de oferecer. É o vício que oferece culto divino a quem não se deve, ou a quem se deve mas de um modo indevido. Podemos oferecer ao verdadeiro Deus um culto indevido: por um culto falo, ou por um culto supérfluo. O culto ao verdadeiro Deus é falso quando propagamos coisas falsas: falsas aparições, falsos milagres, falsas relíquias etc. O culto ao verdadeiro é supérfluo quando tributa a Deus um modo não apropriado e autorizado pela Igreja, ou completamente alheio aos seus usos e costumes: jejuar na Páscoa, só ouvir missa em tal ou tal altar, só comungar se fizer jejum de 3 horas, comungar sem sapatos, prostra-se com o rosto no chão durante o culto público etc.
O culto divino oferecido a uma criatura ou a um falso deus também é pecado de superstição. Alguns exemplos:
Idolatria: dar a uma criatura a adoração devida a Deus.
Adivinhação: averiguar as coisas futuras por meios desconhecidos ou desproporcionais. É a usurpação de algo que pertence a Deus, o conhecimento das coisas futuras. É o demônio quem revela, sendo invocado expressa ou tacitamente. Invocação expressa do demônio: oráculos (quando o demônio responde por meio de ídolos); prestigio (quando produz sensivelmente alguma aparição); pitonismo (quando responde por meio de bruxos ou adivinhos); nigromancia (quando responde pela aparente ressurreição de um morto); oniromancia (quando responde por meio de sonhos); aruspícios (quando responde por meio das entranhas de animais); geomancia (quando responde por meio de figuras que aparecem na terra); hidromancia (por figuras que aparecem na água); aeromancia (por figuras que aparecem no ar); piromancia (por figuras que aparecem no fogo). Invocação tácita do demônio: astrologia (observando o local e o movimento dos astros); auspícios (observando o voo dos pássaros); augúrio (pelo canto dos pássaros); presságios (por algo fortuito que se apresenta de improviso: um enterro etc.); quiromancia (observando as linhas das mãos).
Vãs observâncias: Recorrência a meios desproporcionais para obter fins determinados.
Magia: Em geral, entendemos a magia como a arte de realizar coisas maravilhosas por meio de causas desconhecidas. Se distinguem duas classes de magia: a branca e a negra. A magia branca não é outra coisa que a arte da prestidigitação ou ilusionismo, que obedece a causas puramente naturais (habilidades e destreza do prestidigitador), e é de si lícita e inofensiva. A magia negra é, ao contrário, gravemente ilícita e pecaminosa, já que consiste na arte de realizar obras maravilhosas por invocação ou intervenção diabólicas.
Hipnotismo
É a arte de produzir em outra pessoa um estado letárgico semelhante ao sono, junto de outros fenômenos especiais de sugestão.
Todos concordam que a hipnose está cheia de perigos físicos, psíquicos e mentais. O uso da hipnose é gravemente ilícito: a) quando se desejam efeitos que superam claramente as forças da natureza; b) para fins desonestos e imorais; c) se se produz por procedimentos maus e imorais (toques indevidos etc.); d) se é praticado por simples curiosidade ou passatempo, pelos graves transtornos que podem ocasionar aos pacientes.
II Irreligiosidade e seus filhos
Tentação de Deus
Quando se coloca à prova algum atributo de Deus ou se pede temerariamente sua divina intervenção.
Sacrilégio
Profanação ou trato indigno das coisas sagradas.
Sacrilégio pessoal: quem comete é sagrado ou se comete contra alguém sagrado. Sacrilégio local: profanar local sagrado com: homicídio injusto ou suicídio; injusta e abundante efusão de sangue; destinando o local sagrado afins ímpios e imundos; dando sepultura a um pagão ou excomungado. Sacrilégio real: profanação dos sacramentos: receber um sacramento dos vivos em pecado mortal; indigna administração ou simulação; roubo de coisas sagradas; jogar a Eucaristia, acarreta a pena de excomunhão ipso facto, reservada ao Papa e se adquire o título de infame.
Simonia
O nome deriva de Simão, o Mago, que quis comprar dos apóstolos os poderes deles. É a intenção de comprar ou vender por preço temporal algo espiritual.
O segundo mandamento da Lei de Deus: Não tomar seu santo nome em vão.
Enunciado no capítulo XX, versículo XII do livro do Êxodo, o segundo mandamento da lei de Deus nos proíbe direta e taxativamente o perjúrio, isto é, a tomada de Deus como testemunha de uma falsidade. Lembramos que o juramento tem um gravíssimo e importantíssimo peso social, embora em nossos dias a mentira encontre mais facilidade.
Deveres positivos do II mandamento de lei de Deus
Louvor de Deus
É a invocação externa, como manifestação interna, do Santo nome de Deus, em culto público ou privado, durante cantos litúrgicos, orações, exclamações etc.
Conjuro
Invocação do nome de Deus ou de alguma coisa sagrada para obrigar um outro a executar ou abster-se de algo. Em outras palavras, é pedir ou mandar algo em nome de Deus ou de algo sagrado.
Conjuro solene: Faz-se em nome da Igreja, com o rito estabelecido por Ela, com ministros designados por Ela.
Conjuro privado: pessoa em particular em nome próprio, com qualquer fórmula.
Conjuro deprecativo: se faz a Deus, em forma de rogação: Por Nosso Senhor Jesus Cristo...
Conjuro Imperativo: se faz sob forma de mandato (os exorcismos, por exemplo).
O voto
Promessa deliberada e livre feita a Deus de um possível e melhor (melhor que seu contrário e omissão. Exemplo: pobreza).
Os votos emitidos prudentemente e com intenção de honrar a Deus são bons e convenientes.
O voto pode ser público (se o superior eclesiástico o aceita em nome da Igreja) ou privado (sem aceitação oficial da Igreja).
O voto pode ser solene (se invalida todos os atos contrários), ou simples (se tornam ilícitos os atos contrários).
O voto pode ser reservado (só o Santo Padre pode dispensar), ou não reservado (inferiores ao Papa podem dispensar).
O Voto pode ser absoluto (sem condições), ou condicionado (se acontecer tal coisa).
Todo voto válido obriga o que fez pela virtude da religião. Quebrar o voto feito supõe um sacrilégio, ou ao menos um pecado contra a virtude da religião (grave ou leve dependendo da matéria do voto e da intenção).
O que promete a si mesmo decide se será pecado grave ou leve a quebra da promessa. Claro, este não é o caso dos votos públicos, dos quais a moralidade não depende daquele que faz o voto. Se não há intenção clara, a quebra será pecado grave, em matéria grave, e pecado leve em matéria leve.
A dispensa, para ser válida, necessita: causa justa e poder de jurisdição (do Santo Padre, ou dos Bispos e aos que eles delegam, ou dos párocos, ou dos confessores ordinários SE eles receberam o poder para tal).
Pode haver comutação, havendo uma causa, ainda que leve. Se a obra for igual, qualquer um pode comutar, se a obra for evidentemente melhor, qualquer um pode comutar, mas uma obra inferior necessita a devida dispensa.
O juramento
É a invocação do nome de Deus em testemunho da verdade. As condições para que haja um juramento são a intenção de jurar e a fórmula de juramento. O juramento promissório (em que se promete fazer algo) obriga ao seu cumprimento. Não cumprir o juramento é falta grave ou leve, dependendo daquilo que foi jurado.
Pecados opostos ao II mandamento da lei de Deus
O uso do nome de Deus em vão
Proferir, sem motivo algum ou sem a devida reverência, o nome de Deus (por extensão à Nossa Senhora e aos santos). Mas a invocação reverente ao nome de Deus não é pecado, ainda que feita muitas vezes durante o dia.
Blasfêmia
Expressão contumeliosa contra Deus. É toda injúria, afronta, ofensa e insulto dirigidos a Deus.
Estes são, meus caros, alguns dos pecados opostos ao primeiro e segundo mandamentos. Que possamos, com humildade, repetir o clamor do cego de Jericó: "Senhor, que eu veja!" E, ao vermos nossos pecados, possamos também perceber a grande misericórdia de Deus, que está sempre disposto a nos curar, a nos restaurar, a nos dar uma nova chance de vivermos em sua luz.
Que, durante esta Quaresma, possamos todos enxergar claramente o que nos afasta de Deus, e, ao reconhecermos nossas faltas, pedir ao Senhor que nos conceda a graça de uma verdadeira conversão. Só assim, ao fim deste tempo sagrado, sairemos renovados, mais próximos de Deus, mais conscientes de nossa vocação à santidade.