“Onde estiver o Corpo, aí se reunirão os abutres.”

Sermão

Padre Lucas Altmayer, 23/08/2025 16:30

Caríssimos fiéis,

No seio das palavras divinas, há frases que ressoam como trovões e cintilam como relâmpagos no horizonte nebuloso da história humana. Uma dessas palavras saiu da boca do Verbo Encarnado, como sentença grave e misteriosa, inscrita com letras de fogo no Evangelho de São Lucas:

“Onde estiver o Corpo, aí se reunirão os abutres.”

Há aqui uma lição imediata, urgente, que clama por ser proclamada com toda a força:

Onde está o Corpo de Cristo? Está no altar. Está no tabernáculo. Está na hóstia consagrada. Está na Sagrada Eucaristia! E devemos falar de Eucaristia, já que toda a liturgia de hoje está repleta destes textos eucarísticos, frutos da antiga oitava de Corpus Christi. Por que existe missa? O que celebramos nela? A missa existe para celebrar a fé católica na Sagrada Eucaristia.

Na Eucaristia está, oculto sob os véus sacramentais, Aquele mesmo que nasceu em Belém, que pregou na Judeia, que sofreu no Calvário, que ressuscitou glorioso e que há de vir a julgar os vivos e os mortos.

E o que sucede então? Os homens de fé, os verdadeiros católicos, correm para o altar como o pássaro sedento corre ao ribeiro. A alma faminta de Deus levanta voo e, com ânsia, se reúne ao redor daquele Corpo bendito. “Onde estiver o Corpo, aí se reunirão os abutres.” Não são abutres da morte, são águias da eternidade! Não se saciam de carne corruptível, mas da Carne do Cordeiro Imaculado, imolado e ressuscitado.

E é ao redor deste Corpo, ao redor do altar, que se constrói tudo o que é verdadeiramente católico.

Não começamos pela arquitetura. Não começamos pelos paramentos. Não começamos pelos hinos. Começamos pela fé! Fé na presença real! Fé no Sacrifício! Fé na Eucaristia!

Mas! Quão fácil é possuir aparato de católico... e carecer da fé católica!

Quantas igrejas se erguem com formas góticas, mas cujo interior espiritual é protestante! Quantas batinas se vestem como se fossem ornamento de vaidade, enquanto a alma está despida da fé! Quantas liturgias com incenso e canto gregoriano, mas cujos ministros praticam atos contrários a fé católica!

Ah! Que tragédia! Pode-se ter tudo aquilo que parece católico... e ao mesmo tempo não ter absolutamente nada da fé católica.

E o drama maior da nossa época é justamente este: não uma crise de ornamento, não uma crise de estética , mas uma crise de fé.

Podem multiplicar-se os congressos litúrgicos, os cursos de canto sacro, os debates sobre arquitetura sagrada... tudo isso pode ser multiplicado ao infinito, mas se não houver fé, tudo não passará de teatro, de encenação, de aparência vazia como túmulo caiado.

A própria obediência está submetida a fé. Pode até existir obediência, mas se ela não é uma obediência à fé, ela nãos presta para nada, ela destrói a Igreja, ela prejudica a unidade do Corpo Místico de Cristo que se constrói, tão pura e somente, na doutrina da fé.

  • Romanos 1, 5:

“Recebemos a graça e o apostolado, para levar à obediência da fé todas as nações, para glória de seu nome.”

  • Romanos 16, 26:

“...segundo a ordem do Deus eterno, foi dado a conhecer por meio das Escrituras proféticas, para que todas as nações obedeçam à fé.”

Infelizmente, muitos hoje interpretam mal a virtude da obediência, transformando-a em uma espécie de instrumento de manipulação, esquecendo que a obediência só é virtude quando subordinada à fé católica autêntica.

Obedecer a ordens que contradizem a doutrina, ou a orientações pastorais que relativizam a fé, não é virtude, é pecado de servilismo e covardia espiritual.

A obediência da fé é antes de tudo adesão firme, amorosa e racional à doutrina católica, como transmitida pela Igreja em sua Tradição e Magistério infalível.

Obedecer sim, mas obedecer crendo. Obedecer sim, mas obedecer na verdade. Obedecer sim, mas obedecer por amor a Cristo e à fé que Ele nos confiou.

Trata-se de uma obediência condicionada pela fé e conformada com a verdade revelada, que é expressa de modo autorizado pelo Magistério autêntico da Igreja, dentro das balizas da Tradição, da Sagrada Escritura e do Magistério infalível.

1.     Se uma autoridade legítima manda algo que contradiz a fé católica,
o fiel não está obrigado a obedecer. Pelo contrário, tem o dever de resistir.

2.     A obediência só é virtude quando orientada para o bem e a verdade.
A virtude da obediência é subordinada à fé e à lei de Deus.

 

Está é uma das feriadas mais delicadas de hoje. E é um dos maiores divisores de águas entre os que estão certos ou errados ao buscar viver a fé da Igreja. Quando ousamos tocar na chaga mais dolorosa da crise atual, quando pomos o dedo no âmago da ferida — que não é a falta de latim, não é a ausência de turíbulo, mas é a perda da fé, a diluição da doutrina, o envenenamento da teologia, a traição ao Depósito da Fé — então, somos logo acusados de fanatismo, de radicalismo, de falta de caridade.

Tocar na questão doutrinária é tocar no nervo exposto, é provocar a reação irada de todos os que preferem um catolicismo de fachada a uma fé integral.

E não nos iludamos, irmãos! Quem desejar hoje viver, crer, ensinar e defender a integralidade da fé católica, será perseguido.

Pelos protestantes, que odiarão nossa profissão da verdadeira presença de Cristo na Eucaristia.
Pelos liberais, que nos chamarão de retrógrados e intolerantes.
Pelos próprios “conservadores moderados”, que preferirão manter as aparências litúrgicas, mas sem incomodar-se com as heresias doutrinárias que devoram a Igreja por dentro, sem incomodar-se com práticas litúrgicas vazias e sem significado algum, como a comunhão na mão, o sacerdote de frente para o povo, a celebração de uma liturgia em língua profana. E no fim, seremos odiados por todos os que, sendo qualquer coisa, não são católicos de verdade.

Portanto, caríssimos, não nos enganemos.
A crise é de fé.
E se queremos verdadeiramente honrar o Corpo de Cristo presente na Eucaristia, não basta ajoelhar-se diante de um altar bem ornado.
É preciso ajoelhar-se com a alma iluminada pela doutrina, purificada pela verdade, inflamada pela caridade.

Que nossa oração seja esta:
“Senhor, dai-nos a fé inteira, a fé católica, a fé que Vós nos revelastes e que a Santa Igreja sempre guardou. Dai-nos coragem para defendê-la, mesmo contra todos, mesmo contra o mundo inteiro, se preciso for.”

E então, ao redor do Corpo de Cristo, não estaremos como abutres ao redor da morte, mas como águias de Deus, voando ao cume da fé, da esperança e da caridade. Seremos aqueles de quem o Senhor disse: “Onde estiver o Corpo, aí se reunirão os abutres.”