O padre e o medo! meu primeiro lustro sacerdotal

Padre Lucas Altmayer, 23/08/2025 16:40

Queridos amigos,

 

Hoje, neste altar, me é concedida a imerecida graça de celebrar com solenidade o meu quinto aniversário de ordenação sacerdotal. Sou Padre de Jesus Cristo, ministro do altar, em minhas mãos Deus mesmo se entrega cada dia, em cada Eucaristia. Meus lábios foram escolhidos para proclamar o eterno Evangelho. Por mim, a redenção operada por Jesus Cristo chega aos homens.

Celebramos, pois, não apenas uma data, mas um mistério. Celebramos a perpetuação visível do sacerdócio invisível de Cristo, que escolhe homens frágeis para a missão mais sublime sob o céu: tornar presente o Sacrifício do Calvário e distribuir aos homens os frutos da Redenção.

Neste dia sagrado, que me lembra o dia mais feliz da minha vida, aquela linda manhã de verão europeu, junto de meus outros quatro irmãos então diáconos, numa belíssima igreja de roça, desejo considerar convosco uma verdade profunda e pouco falada: a relação entre o sacerdócio e o medo.

Todo sacerdote, antes de ser padre, foi um homem comum. Um jovem que escutou uma voz. Eu me lembro exatamente do momento em que vi um padre pela primeira vez, junto com seus coroinhas. Eu vi aquele Padre, meu pároco, preparado para entrar em procissão. Ventava bastante e a casula voava com o vento. Eu não sabia quem e o que eram eles, mas naquele momento, aos 11 anos, eu sabia que queria ser como ele.

Diante da voz de Deus, que foi aos poucos confirmando a minha vocação, a primeira reação, quase sempre, foi a ousadia. Ousadia de querer chegar ao sacerdócio sem me importar com os obstáculos, sem me preocupar com as dificuldades. O desejo de ser padre, confirmado pela Igreja, sempre me fez vencer qualquer dificuldade. Posso dizer que não tive medo de responder, jamais, ao chamado de Deus! Em mais de 10 anos de seminário, nada jamais me assustou ou desencorajou.

Mas, depois da ordenação, o sacerdócio, o exercício ministerial do sacerdócio, praticado sobretudo aqui em Belém, suscitou em mim algo que ainda não havia experimentado no caminho vocacional: medo.

Medo da renúncia. Medo da solidão. Medo de não ser digno. Medo de não saber falar. Medo de não ser santo. Demorou para entender que era medo. E me acalmei quando vi que muitos  dos grandes sacerdotes começaram com medo.

Moisés, o amigo de Deus, tremeu diante da sarça ardente e disse: “Quem sou eu para ir até Faraó?”(Ex 3, 11). Isaías exclamou: “Ai de mim! Estou perdido, pois sou um homem de lábios impuros!”(Is 6, 5). Jeremias tentou fugir: “Ah, Senhor Deus! Não sei falar, sou apenas uma criança.” (Jr 1, 6). E Simão Pedro, ao ver o milagre do Mestre, caiu de joelhos, com medo,  e disse: *“Afasta-te de mim, Senhor, porque sou um homem pecador.”* (Lc 5, 8). Todos tremeram. Todos se julgaram indignos. E todos foram chamados. Porque o verdadeiro sacerdote não é aquele que se sente forte, mas aquele que se sente insuficiente, e por isso se entrega totalmente Àquele que é tudo.

Mas se há medo antes da ordenação, há ainda medos mais profundos depois dela. O sacerdote, que sobe diariamente ao altar, também desce diariamente ao Getsêmani. Sabe que carrega sobre si não apenas o jugo da missão, mas o peso das almas que lhe foram confiadas.

O bom padre teme perder uma alma. Teme não ter pregado com clareza. Teme ter absolvido sem verdadeiro arrependimento. Teme ter celebrado apressadamente. Teme ter deixado Cristo à porta enquanto se ocupava com vaidades ou compromissos humanos.

Esse medo não é fraqueza. É zelo. É temor santo. É amor que treme de responsabilidade. Pois o sacerdote sabe que um dia há de prestar contas não apenas por si mesmo, mas por cada ovelha que Deus lhe confiou.

E, por isso, o verdadeiro padre reza: “Senhor, eu temo. Mas não me deixes fugir.”

Mas eis aqui o coração do mistério: o sacerdote não vive sem medo — mas também não vive dominado por ele.

Na hora da ordenação, quando se deita prostrado ao som da ladainha dos santos, o sacerdote entrega seus medos. E ao se levantar, levanta-se com a força de Cristo. Porque não é mais ele quem vive. É Cristo que vive nele. ( Gl 2, 20)

E quando sobe ao altar, já não fala como Pedro o pescador medroso, mas como Pedro , a rocha firme. Já não age como Moisés o fujão, mas como Moisés o legislador. Já não impõe as mãos como um frágil homem, mas como um canal da graça divina.

O medo permanece, sim, como espinho na carne, como lembrança de que a força vem do Alto. Mas é vencido a cada dia pela confiança no poder de Deus.

Neste meu quinto ano de sacerdócio, o Senhor me concede a graça de olhar para trás com gratidão e para frente com reverência.

Peço que Deus permita que eu continue temendo, sim — mas não temendo como quem foge, e sim temendo como quem ama. Temendo perder o Cristo.