Padre Lucas Altmayer, 15/02/2025 17:22
Queridos amigos,
A Santa Igreja coloca diante de nossos olhos os paramentos roxos da penitência e já fecha os nossos lábios para que não pronuncie mais os Aleluias festivos. Assim como no Oriente Cristão, a Quaresma é precedida, no ocidente, por alguns dias de preparação. Os orientais chamam este período de Grande Quaresma. Foi a infeliz reforma litúrgica de 1969 quem quebrou a unidade da Igreja Católica que, tanto no Oriente como no Ocidente, não inicia a Quaresma sem um devido tempo de preparação.
O texto da Missa de hoje parece colocar diante de nossos olhos uma contradição. Na leitura da Missa, São Paulo nos ensina que o céu deve ser ganhado às pauladas: só ganhará os céus aquele que correr e que trabalhar arduamente. Somente os mais vigorosos irão ao pódio. Já o Evangelho, parece nos mostrar exatamente o contrário: o Senhor Jesus parece elogiar mais os que trabalharam desde a última hora, do que os que trabalharam o dia todo, suportando o sol e o cansaço. Na verdade, esta parece ser a lição da quaresma, que coloca diante de nossos olhos figuras que fizeram pouca coisa, mas ganharam muito. É o caso do filho pródigo, que esbanjou tudo mas teve uma grande festa em seu retorno. É o caso do bom ladrão, que veremos na Sexta-Feira Santa: fez o que fez e herdou em primeiro o reino dos céus.
Na Missa de hoje, São Paulo nos convida ao trabalho espiritual árduo, bem adequado para o tempo quaresmal, mas Jesus parece recompensar quem trabalha menos, os que fazem menos coisas, menos esforços.
O primeiro ensinamento que devemos retirar desta aparente contradição é o de que Deus quer destruir em nós a ideia de que a santidade consiste em uma espécie de ativismo espiritual, que nos faz pensar que nossa conversão, nosso amor a Deus e nossa mudança de vida tem a ver apenas com o quanto de coisas espirituais nós fazemos. O ativismo espiritual é sem dúvida alguma um dos maiores inimigos das pessoas que já passaram pela primeira conversão, que já encontraram com a graça de Deus e que já entenderam que a santidade é um caminho a ser trilhado, um combate a ser lutado, uma corrida a ser feita. A doutrina do ativismo espiritual resume o grau de bondade de alguém segundo o tanto de coisas espirituais que ela faz. Ele é a base daquele farisaísmo presente nos cristãos mais avançados, que pensam que são bons só porque não fazem como os que ainda não se voltaram inteiramente para Deus.
Ao nos prepararmos para a quaresma, não podemos correr o risco de enxergar este tempo sacrossanto como um período ativista. Seria terrível! Não é o quanto de coisas você fará que lhe fará ser mais santo! Não é a quantidade de jejuns e mortificações, nem o tanto que dilacerará seu corpo que dirá o quanto você cresceu no amor a Deus.
O ativismo espiritual transforma a vida católica em um amontoado de regras, pesadas e difíceis de serem suportadas, tolhendo a liberdade de um filho de Deus. Daí nascem os escrúpulos (tenho que fazer absolutamente tudo em perfeito estado de religião e tudo o que faço tem que ser perfeitamente religioso) e o terrível farisaísmo (sou bom porque faço coisas que o outro não faz).
Se Deus olha e recompensa tanto quem trabalhou o dia inteiro, como quem trabalhou apenas uma hora, e se já entendemos que com isso Deus quer nos ensinar que o que importa não é quantidade de coisas que fazemos, devemos entender que a segunda lição da Liturgia de hoje é nos fazer compreender que o que importa mesmo aos olhos de Deus é a maneira com a qual viveremos depois que nos encontramos com Ele! Não quanto, mas como. Criar um coração sincero que, em absolutamente todos os momentos de nossa vida seja capaz de amar a Deus! Um coração que, em absolutamente todas as usas ações, comporta-se como um eleito de Deus.
O que significa ter um coração sincero? Significa ter um coração coerente, que em todos os momentos porta-se como alguém que ama a Deus e é fiel a Ele. Significa também ter um coração que imita os sentimentos divinos: fazer com o próximo aquilo que gostaria que Deus fizesse com você! É isso que dará sentido às resoluções quaresmas : oração, para amar mais a Deus, de maneira mais coerente; esmola, para imitar na vida do próximo os sentimentos de Deus por mim; jejum, para renunciar o que em mim me impede de ter um coração sincero.
Não importa o momento em que compreendemos que Deus nos chama a ter um coração sincero, sem mentiras e falsidades, um coração que tenha em si os mesmos sentimentos do Divino Coração. Um coração coerente. Uns entenderam isso logo que ouviram o chamado de Deus à santidade, outros ainda estão ouvindo e descobrindo isso. O importante é daqui para frente lutarmos, pois o trabalho é importante, a luta é necessária e a recompensa será para quem combater até o fim. Mas nosso esforço espiritual, nosso combate espiritual, não pode ser a repetição de muitos atos vazios e sem sentido! Mesmo quem reza muitos terços e faz muitos jejuns pode ter uma vida vazia e sem sentido, pode não avançar na vida espiritual, pode ser tão ruim quanto o pior dos pagãos.
Na vida espiritual, importa mais o tanto que nós nos dedicamos ao combate do que o número de batalhas que tivemos de enfrentar.
Neste Domingo da septuagésima, peçamos a Deus um coração sincero e larguemos a ideia de uma santidade fruto de um ativismo espiritual. Ajude-nos Nossa Senhora, Rainha dos Céus e da Terra.