as três perversões da vida espiritual

Padre Lucas Altmayer, 23/08/2025 16:56

Queridos amigos,

O evangelista São Lucas é familiar a essas antíteses, a esses contrastes, a essas oposições paralelas, muitas vezes a partir de uma simples indicação, de uma simples atitude corporal. Ele nos instrui sobre todo um comportamento espiritual.

Por exemplo, na parábola do Bom Samaritano, enquanto o sacerdote e o levita se afastam, mudam de calçada ao encontrarem aquele homem meio morto, o Bom Samaritano, ao contrário, se aproxima. Por exemplo, quando dez leprosos são curados por Jesus, nove deles seguem o seu caminho, ingratos como são, enquanto um deles, que é precisamente samaritano, volta atrás, retorna sobre seus passos.

Do mesmo modo acontece hoje, com o fariseu e o publicano. O fariseu se coloca à frente, de pé, em toda a sua arrogância, em toda a sua autossuficiência, em toda a sua presunção, enquanto o publicano, ao contrário, se mantém afastado e não ousa sequer levantar os olhos ao céu.

Jesus, hoje, nos interpela, a cada um de nós, sobre três tipos de perversões da vida espiritual: a primeira perversão diz respeito à nossa oração; a segunda, às nossas obras; e a terceira, ao nosso comportamento em relação ao próximo.

A primeira perversão radical da oração, é o “eu”. No fundo, toda a oração do fariseu se resume nestas duas palavras: “eu”.

Alguém poderá dizer: “Mas ele dá graças a Deus, então Deus está presente em sua oração”. Sim, mas Deus está presente em sua oração apenas como testemunha da hipertrofia do seu ego. De fato, quando se entra na vida interior, pode-se ser atingido por este escolho da introspecção. A vida espiritual consiste na contemplação, e substituímos à contemplação de Deus a introspecção, isto é, o retorno e o olhar sobre nós mesmos. Eis, portanto, a graça que devemos pedir hoje: embora se trate da vida interior, trata-se, contudo, de uma vida que nos projeta para além de nós mesmos. Devemos, então, vigiar para não nos observarmos rezando, e, ainda mais, para não nos auto-contemplarmos, nos introspectarmos, mas termos uma oração que vise unicamente o seu objeto — isto é, o único sujeito que dela é digno: Deus, Jesus Cristo, o próprio Senhor.

A oração egocêntrica é uma caricatura da vida espiritual, porque:

  • Destrói a humildade, que é o fundamento de toda a santidade (Santo Agostinho: “Se me perguntares qual é a primeira virtude, direi: a humildade; e a segunda: a humildade; e a terceira: a humildade.”).
  • Nega a gratuidade da graça, porque se apoia nas próprias forças e méritos.
  • Fere a caridade, porque transforma a religião em palco de comparação e desprezo.

Assim, o egocentrismo é não apenas um defeito psicológico, mas uma perversão teológica: substitui Deus pelo “eu” como centro da oração. O publicano, ao contrário, ensina a oração verdadeira: humilde, suplicante, aberta à ação divina. Como diria São João Batista: “É necessário que Ele cresça e que eu diminua” (Jo 3,30).

A segunda perversão possível da vida espiritual, diz respeito, portanto, às obras. O nosso fariseu de hoje é um contabilista perfeito. Ele sabe exatamente todas as obras que realizou. Essas obras, em si, não são más, são obras boas, excelentes, obras de misericórdia: rezar, jejuar, dar esmola, cumprir até mesmo o dízimo, o imposto religioso. Tudo isso é bom.

Mas o que é perverso é atribuir-se o mérito disso. Pois é a graça de Deus que nos dá a possibilidade de cumprir essas obras de misericórdia e de justiça.

Além disso, o que é perverso neste fariseu que se apropria, que se arroga o mérito dessas obras, é usar essas mesmas obras como um título de reivindicação, de exigência estrita da salvação como se fosse um direito. Ora, a salvação — nós o sabemos — é sempre, da nossa parte, imerecida, e, da parte de Deus, é sempre gratuita. É justamente à luz desta parábola do fariseu e do publicano que compreendemos a dialética paulina na Epístola aos Romanos e na Epístola aos Gálatas sobre a justificação pela fé e não pelas obras. Isso significa, de fato, que a salvação é imerecida da nossa parte e gratuita — inteiramente gratuita, absolutamente gratuita — da parte de Deus.

No fundo, as boas obras são corrompidas pela vaidade. Na “Imitação de Cristo”, livro de Tomás de Kempis, logo no primeiro capítulo do Livro I – Avisos úteis à vida interior, ele aborda exatamente essa questão do egocentrismo e da vaidade:

“Vaidade das vaidades e tudo é vaidade que se faz sem Deus; só Deus basta.

  1. Vaidade das obras humanas – tudo o que se faz sem Deus é vaidade. Até boas obras, se feitas com orgulho ou para ser visto pelos outros, não têm valor eterno.
  2. Vaidade do louvor alheio – buscar reconhecimento humano em vez de agradar a Deus.
  3. Vaidade do prazer mundano – desejos e confortos que desviam o coração de Deus.
  4. Vaidade do conhecimento ou da sabedoria própria – orgulhar-se do próprio entendimento em vez de se submeter à sabedoria divina.
  5. Vaidade da honra e da reputação – querer ser considerado justo, virtuoso ou superior aos outros.

E a terceira perversão possível da vida espiritual é o julgamento de desprezo em relação ao próximo.

É certo que sabemos: um cristão não deve fazer como todo mundo. “Fazer como todo mundo” é um princípio mortífero. São Paulo nos diz: não vos conformeis com este mundo presente. É um princípio radical de anticonformismo cristão. No entanto, somos partícipes da humanidade pecadora e não temos de julgar o nosso próximo como este fariseu, que inclusive emite um juízo muito global: “Meu Deus, eu te agradeço por não ser como o resto dos homens.” Somos todos solidários com a miséria da humanidade. Não somos o “último reduto” dos fiéis no meio da decomposição geral. Não somos melhores do que os outros.

E tal é, de fato, a atitude espiritual em contraponto à do publicano: o publicano que exprime a única oração que tem valor diante de Deus: “Tende piedade de mim, que sou pecador.” É a única oração que vale, porque é o reconhecimento da nossa necessidade de nos deixarmos salvar. É a oração que permite, finalmente, que Deus aja no coração da nossa vida.

Portanto, meus amigos, se realmente queremos ser justificados, se almejamos a salvação eterna, devemos vigiar com atenção a vida de nossa alma. A oração, as obras e nosso agir não podem ser pervertidos pelo orgulho, pela vaidade ou pelo desprezo.

Nossa oração deve ser sempre humilde e verdadeira, levando-nos ao reconhecimento constante da nossa miséria e da nossa absoluta dependência da graça de Deus. Como o publicano, devemos repetir com sinceridade: “Senhor, tem piedade de mim, que sou pecador”.

Nossas obras, mesmo as mais santas, só têm valor se forem feitas unicamente em Deus, sem buscar mérito próprio, sem vaidade, sem medir nossa justiça diante dos outros. Tudo o que fizermos deve refletir a misericórdia e a justiça de Cristo, jamais o orgulho de nossa própria virtude.

E nosso agir com o próximo deve sempre espelhar Jesus Cristo, cheio de compaixão, de amor humilde, de paciência e de caridade. Não devemos olhar os outros de cima, nem julgá-los como o fariseu, mas sempre reconhecer neles irmãos necessitados do mesmo amor de Deus que nos sustenta.

Assim, irmãos, permanecendo humildes na oração, fieis nas obras e misericordiosos em nosso trato com o próximo, caminharemos verdadeiramente pela estrada da santidade, e a graça de Deus nos justificará plenamente.