Padre Lucas Altmayer, 23/09/2025 14:53
Aos aproximarmo-nos da festa do glorioso Arcanjo São Miguel, publico este artigo mais em defesa do grande defensor da honra de Deus do que pela qualidade argumentativa, contra o horripilante e blasfemo artigo do Frei Luís Carlos Susin, publicado no site inh.unisinos, às vésperas do início da Quaresma de São Miguel.
O Frei Luís Carlos Susin é franciscano que por muitos anos trabalhou em Porto Alegre. Frei Luís é, segundo os dizeres de sua própria congregação, um dos maiores expoentes brasileiros, ao lado de Leonardo Boff, da chamada teologia da libertação.
Estamos acostumados com todo o mal produzido pela teologia da libertação no Brasil, na América Latina e no mundo. Sabemos do tamanho do estrago que estes homens causaram à Igreja: um socialismo disfarçado de teologia, um comunismo que tenta se impor à fé católica. É uma pseudo-teologia que sobrevive mal e mal ao nosso tempo e que, se não fosse a força que recebeu de pessoas que insistem em destruir a fé católica enquanto ocupam cargos de autoridade na Igreja, já teria desaparecido por completo.
Se não compreendêssemos o tamanho da crise enfrentada pela Igreja, e a infiltração nefasta e medonha deste socialismo travestido de teologia, nos assustaríamos ainda mais diante da leitura do artigo publicado pela Unisinos.
O Frei Luís começa seu texto indagando, como se fosse algo curioso, a associação da figura de São Miguel com a de São Francisco. A falsa linha teológica do frei destruiu por completo o sentido católico de tudo: destruiu a doutrina católica, destruiu a moral católica, destruiu a vida espiritual católica, destruiu o sentido de misericórdia e de caridade cristã. Não é de se esperar que também tenha deturpado completamente a figura dos nossos santos.
Só quem crê em um São Francisco moldado à imagem da teologia da libertação pode se espantar com a grande devoção que o Pobre de Assis tinha por São Miguel. Se Francisco fosse um hippie antes do tempo, e se a sua paz fosse como a paz concebida pelos homens modernos, então sim, pareceria estranho assimilá-lo a São Miguel. Mas se ele é um grande santo católico — e é —, se viveu a sua fé católica, crendo e professando a doutrina da Igreja, defendendo-a até o ponto de querer entregar sua vida em martírio na tentativa de converter o sultão Malik al-Kamil, não porque acreditava no diálogo moderno, mas porque tinha a coragem do combate espiritual e queria converter até o inimigo; se acreditava, como de fato acreditava, no grande auxílio da Sempre Virgem Maria; se lutava ferrenhamente contra as ciladas do demônio; e se cria, como é doutrina católica, na existência dos anjos e no papel dos arcanjos — então não é de se espantar que tivesse devoção a São Miguel, e ainda desejasse espalhar essa devoção como grande arma no combate católico.
A paz que desejava Francisco não tem nada a ver com o pacifismo vazio, ecumênico e ateu de nossos tempos. A paz de Francisco é a paz que a Igreja sempre desejou, desde o dia da Ressurreição até hoje: a paz que é fruto da justiça, que dá a Deus o que é de Deus, inclusive a honra que Lhe é devida. Pois ninguém é como Ele: Quem como Deus?
A paz celeste foi quebrada pelo orgulho satânico, e Miguel restituiu essa paz ao precipitar no inferno Satanás e os anjos apóstatas. A paz é fruto da justiça, e a justiça é defender a honra de Deus. A paz de Miguel e a paz de Francisco são a mesma: a paz do Reino de Deus, que começa dentro de nós, provocada por uma sincera conversão que exige luta e combate. É a paz que nasce da guerra, da guerra espiritual. Jesus veio trazer a guerra, não a paz. E a nossa guerra não é contra inimigos de carne e osso, mas contra os espíritos malignos que andam pelos ares.
Quando Francisco dizia “Paz e Bem”, não era um slogan bonitinho, mas o eco da paz interior conquistada na cruz, a mesma paz que Miguel protege lutando contra o dragão.
O Frei Luís pergunta: “E cadê os outros dois arcanjos?”. Nós é que perguntamos à triste reforma litúrgica o motivo de terem unido aquilo que a Esposa de Cristo sempre separou: a festa dos arcanjos. Cada um deles tem seu papel e sua importância distinta na história da Revelação. Não foi Deus quem uniu a festa; a Igreja sempre celebrou de maneira separada. Quem uniu foi Monsenhor Bugnini e sua comissão, que realizaram uma revolução litúrgica sem precedentes, em total desacordo com o sentir da Igreja. De fato, desde Paulo VI não existe mais a festa de São Miguel Arcanjo, existe a festa dos arcanjos. E se a devoção católica — desde os Papas até os mais simples fiéis — sobrepõe a figura de São Miguel às dos outros dois, é porque a devoção ao Príncipe da Milícia Celeste é mais útil e importante às nossas almas que as demais.
São Miguel está diretamente ligado ao combate contra um dos inimigos de nossa salvação. Enquanto São Rafael e São Gabriel são exaltados pelas missões que desempenharam por mandato de Deus, São Miguel é exaltado pela missão que ainda possui: conduzir o Novo Israel, a Igreja, e protegê-la na luta contra o Demônio. São Rafael e São Gabriel não têm o mesmo papel que São Miguel no plano salvífico de Deus.
Igualar a função de Miguel à dos demais arcanjos, por maiores que sejam diante de Deus, é jogar do lado do inimigo, encobrindo-o e relativizando seus malefícios. O plano que Deus confiou a São Miguel é o de nos defender do Demônio, e quem diminui São Miguel está do lado do inimigo.
Não existe motivo algum, nenhum, para que a festa dos arcanjos seja celebrada em uma única data. Do mesmo modo, a Tradição da Igreja nos legou a festa do nome de apenas três arcanjos porque estão mais intimamente ligados à nossa salvação — e, dentre eles, o papel de Miguel nos diz mais diretamente. Celebrar os três só porque são arcanjos seria uma injustiça com os outros quatro mencionados na Escritura, de quem Rafael diz que estão diante do trono de Deus.
Um dos piores momentos do artigo do Frei Luís é quando ele diz: “A história do anjo começa no guerreiro e termina no cuidador, começa impiedosamente e termina maternalmente.”
Chamar o Arcanjo São Miguel de “ímpio” ou insinuar que sua luta contra o demônio é um ato de “impiedade” não é apenas erro teológico — é blasfêmia. A Escritura proclama que Miguel é o príncipe da milícia celeste (Dn 10,13; Ap 12,7), o defensor do povo de Deus, aquele que, com sua espada, expulsa Satanás e os seus anjos rebeldes. Dizer que Miguel age “impiedosamente” é negar que a justiça de Deus é inseparável de Sua misericórdia. Miguel não combate por ódio, mas por amor: amor à verdade contra a mentira, amor à luz contra as trevas, amor às almas contra o dragão que as devora. Acusar de impiedade o guerreiro de Deus é inverter os papéis: transformar o inimigo infernal em vítima inocente e o anjo da fidelidade em carrasco cruel. Isso é blasfemar contra o próprio Deus que envia Miguel como instrumento de sua justiça e bondade.
Os anjos nunca são impiedosos. A Sagrada Escritura mostra Miguel combatendo o dragão (Ap 12), os anjos exterminadores no Egito (Êx 12), mas sempre como instrumentos da justiça de Deus — que é justa, santa e misericordiosa. Chamar os anjos de “impiedosos” é insultar a santidade deles, como se a ação justa fosse crueldade.
A justiça divina não é ausência de piedade: ela é a forma mais alta de amor, pois ordena tudo ao bem.
Os anjos não se tornam “maternais”. Eles não têm sexo, não são pais nem mães, não têm instinto biológico de maternidade ou paternidade. A Escritura e a Tradição os mostram como protetores, guias, mensageiros, mas sempre em fidelidade a Deus. O combate de Miguel, o anúncio de Gabriel, a cura de Rafael: tudo é obra de uma só fidelidade. Não existe essa caricatura de “fase 1: violência, fase 2: ternura”. Do início ao fim, os anjos são servos fiéis de Deus, que agem com força e misericórdia conforme a ordem divina.
Essa frase revela um vício moderno: transformar os anjos em metáforas psicológicas, em símbolos da nossa evolução interior, em vez de reconhecê-los como seres pessoais, reais, criados por Deus. O resultado? Perde-se a transcendência, rebaixa-se o sobrenatural a poesia barata, e a doutrina católica é substituída por romantismo religioso — ideológico, no caso da teologia da libertação.
O Frei Luís apresenta uma falsa imagem evolutiva dos anjos, como se no início fossem seres agressivos e depois se tornassem “mais femininos” e doces. Uma aberração tremenda! Os anjos, sobretudo São Miguel, sempre tiveram a missão que Deus lhes concedeu. Realizar uma missão distinta ou desempenhar um papel diferente não faz com que um anjo seja melhor que outro, nem que exista mais bondade em um anjo que protege do que em um que extermina. Se as ordens vêm de Deus, proteger ou trucidar têm a mesma bondade em relação à virtude da obediência. O anjo que exterminou os primogênitos do Egito não foi pior do que o anjo que anunciou a Encarnação. O mesmo Rafael que guiou Tobias aprisionou Asmodeu nos desertos do Egito. Deus é o supremo legislador, e os anjos que cumprem suas leis não são melhores ou piores por causa do impacto que suas ordens nos causam.
Em Daniel 10,13.21, Miguel aparece como “um dos primeiros príncipes”, aquele que auxilia o anjo mensageiro contra o “príncipe do reino da Pérsia”. Aqui vemos Miguel como protetor do povo eleito, combatendo as forças espirituais que se opõem ao plano de Deus.
Daniel 12,1 – Miguel é chamado de “o grande príncipe, protetor dos filhos de teu povo”, que se levantará “no tempo da angústia” para defender Israel. Ele surge como defensor escatológico, o anjo que garante que o povo de Deus não pereça, mesmo nas maiores tribulações.
Já no Antigo Testamento, Miguel é guerreiro, defensor e intercessor. Não aparece como um anjo isolado, mas como figura central na luta pela fidelidade do povo de Deus.
Em Judas 1,9, o Arcanjo Miguel disputa com o demônio pelo corpo de Moisés. Aqui se vê sua autoridade espiritual, não apoiada em orgulho ou violência própria, mas no poder de Deus: “O Senhor te repreenda!” É um gesto de humildade e obediência — ele combate, mas reconhece que a vitória vem do Senhor. No livro do Apocalipse 12,7-9, Miguel resplandece em seu papel definitivo: “Houve então uma batalha no céu: Miguel e seus anjos combateram contra o dragão. O dragão e os seus anjos lutaram, mas não prevaleceram; e já não houve lugar para eles no céu.”
Miguel é apresentado como o instrumento da vitória escatológica de Cristo sobre Satanás. Ele é o general que expulsa o dragão, tornando visível a vitória do Cordeiro.
“Mas separado da sabedoria e da esperança anunciadas por Gabriel e da misericórdia e dos cuidados de Rafael, Miguel pode fazer derivar a espiritualidade de combate em uma paranoia por defesa que transforma a obsessão em agressividade e violência a quem represente ameaça”, diz o Frei Luís.
Ora, a espiritualidade católica é uma espiritualidade de combate. E não é paranoia o nosso dever grave de vencer nossos inimigos: o Demônio, o mundo e a carne. A nossa salvação depende, em muito, deste combate. Jesus não pregou a paz pacifista dos teólogos da libertação. A teologia da libertação destruiu, corrompeu e transformou a estrutura católica em algo quase irreconhecível. Essa paz, tão capenga quanto falsa, não tem nada de católica.
E o bom é que as novas gerações têm redescoberto aquilo que a fracassada teologia da libertação tentou destruir: a autêntica vida espiritual católica, o verdadeiro conceito de pecado, salvação, graça e libertação. Leonardo Boff e sua trupe nos roubaram o sentido católico de muita coisa. Mas a devoção a São Miguel, e o surgimento do exército deste glorioso Arcanjo que luta contra o demônio, o mundo e a carne, é só mais um sinal de que as forças do inferno não prevalecerão contra a Igreja Católica. E se a teologia da libertação se incomoda com a prática da Quaresma de São Miguel, é porque a Igreja está voltando à sua normalidade, e o inferno se sente incomodado.
Além do Frei Luís e da turma da teologia da libertação, só tem mais uma criatura que se incomoda com a Quaresma de São Miguel: o demônio — e o inferno inteiro com ele.
Não é possível ser um bom cristão sem crer na existência e na ação dos anjos. E o Frei Luís afirma hereticamente o contrário: “Se um bom cristão não vê razões para crer em anjos, algo tão consolador que insiste em atravessar as páginas da Bíblia, e prefere um cristianismo mais árido, menos poético, nem por isso deixa de ser um bom cristão.”
Dizer que alguém pode ser “bom cristão” sem crer em anjos é o mesmo que afirmar que pode ser bom cristão rejeitando partes inteiras da Escritura. Ora, a Bíblia está repleta de anjos, do Gênesis ao Apocalipse: desde o querubim que guarda o Éden (Gn 3,24), passando por Rafael em Tobias, Miguel em Daniel e no Apocalipse, até Gabriel na Anunciação a Maria (Lc 1,26-38). Negar os anjos é mutilar a Revelação. E quem mutila a Revelação não permanece na fé católica íntegra.
O autor tenta reduzir os anjos a ornamentos “poéticos” ou “consoladores”. Isso é engano grave. O Concílio de Latrão IV (1215) declara claramente: Deus é Criador “das coisas visíveis e invisíveis”, incluindo os anjos. O Catecismo da Igreja Católica reafirma: os anjos são verdade de fé. Não é uma licença poética: é um artigo do Credo — “Creio em Deus criador do céu e da terra, de todas as coisas visíveis e invisíveis”.
Achar que os anjos são dispensáveis é tentar montar um cristianismo “enxuto”, feito à medida da mente moderna que rejeita o sobrenatural. Isso não é humildade, é soberba: o homem se julga árbitro do que, na Revelação, é “essencial” e do que é “perfumaria”. Mas o verdadeiro cristão não corta o que Deus revelou.